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Aqui foi o começo de tudo, mas como todo filho um dia tem que ir embora decidi ir atrás de novas experiências literárias no Blog Meia Garrafa e Uma Dúzia de Histórias (www.gabrielpontes.com)
Algumas poesias selecionadas foram migradas para o novo blog.

Aqui jaz um menino cheio de sonhos que não repousam junto com ele.



Gabriel Pontes
g.ponteslima@gmail.com
Escritor

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Exu




Sim, ela demorou, mas chegou. Aquela velha crise que o põe contra a parede e tira-lhe o sono com um agouro atormentador. É este o momento em que a fé se afasta mais dele e tudo que toma conta é um desejo destrutivo, um desejo de misantropia e ironicamente auto piedade.

É aquele momento que por mais amarga que seja a bebida ele não consegue sentir o amargoso, tudo vem com um gosto agridoce, o gosto da dúvida que invade e deixa em seus rastros somente a destruição.

O presente e o passado conflitam-se em seu coração. As pessoas parecem não ajudar. Seu amor parece não ajudar.

Hoje é a 5ª noite que não dorme, nem sonha. Simplesmente repousa sobre a cama e passa a olhar o teto em seu quarto frio, como quem olha a deus e pede às respostas que tanto procura. Levanta-se. Vê que está só, naquele quarto, naquele cômodo e ri. Ri de sua solidão.

Perambula entre os cômodos a procura do sono que não chega, caminha até o jardim e apoia-se sobre uma velha Pitangueira na esperança que ela possa lhe dar um pouco de energia sugada pelos pensamentos obscuros de sua mente doente. Em vão.

Volta a se deitar e olhar para o teto, baixa o olhar, nota a imagem de São Miguel dourada sobre a cômoda e a face deste arcanjo que parece ignorá-lo, já o demônio parece sorrir diante de sua angustia. Fecha os olhos e reza.

“São Miguel Arcanjo, protegei-me nos combates, defendei-nos com o vosso escudo contra os embustes e ciladas do demônio. Deus o submeta, instantemente vos pedimos; e vós, ó Príncipe da Milícia Celeste, pelo divino poder, precipitai no inferno a Satanás e aos outros espíritos malignos que andam pelo mundo procurando perder as almas. Amém.”

*

As 03h00minh da manha ao final da oração, um brado seguido de uma ventania sacudiu as telhas do cômodo, um cheiro de charuto impregnou o ambiente. A porta abriu e ouviu-se uma voz rouca cantou.


Oh Ganga

Rei da Quimbanda

Tranca Rua é feiticeiro
Pra vencer qualquer demanda.
Seu Tranca Rua o seu bode deu um berro
Arrebentou cerca de arame
Estourou portão de ferro.
Eh, boa noite
A hora é essa
Seu Tranca Rua já chegou
Agora é festa.


Viu que do lado de fora, sentado numa cadeira deixada por lá havia um homem sentado, na escuridão ele viu apenas seu corpo forte coberto com uma capa em tons preto e branco, com uma calça preta e pés descalços no chão. Em sua mão havia um tridente, que lentamente batia no chão e encostara a grade para acender um charuto.

O garoto não conseguia falar, era um misto de pânico com medo que o deixou imóvel.

- Medo meu filho? Não há de ter medo de mim. Não vim fazer mal.

O garoto continua em silêncio.

-Olhe, tem muita gente torcendo contra o que você faz e você parece ter medo. Esse medo é que te deixa assim.

Vim veloz pra te dizer isso, uma mensagem dos teus guias, não te afasta do caminho da luz. Agora durma. 


-Uma risada medonha encerrou a conversa.

*
Acordou no dia seguinte com um pulo que disparara seu coração, assustado passou a mão na cabeça e riu, pensava com ele mesmo, mas que sonho estranho esse meu. Assim como de costume levantou-se e aos poucos foi se familiarizando, a tv estava ligada a porta aberta e viu a cadeira posicionada como no sonho. Não podia ser real.

Aproximou-se, sentou-se na cadeira pensando naquele absurdo, baixou a cabeça olhando para o chão e foi então que viu cinzas de charuto espalhadas. Um intenso arrepio lhe tomou o corpo e saiu de sua boca uma risada medonha, uma gaitada involuntária.

RIÁ, RIÁ, RIÁ!



Gabriel Pontes