Sim, ela demorou, mas chegou. Aquela velha crise que o põe
contra a parede e tira-lhe o sono com um agouro atormentador. É este o momento
em que a fé se afasta mais dele e tudo que toma conta é um desejo destrutivo, um
desejo de misantropia e ironicamente auto piedade.
É aquele momento que por mais amarga que seja a bebida ele não
consegue sentir o amargoso, tudo vem com um gosto agridoce, o gosto da dúvida
que invade e deixa em seus rastros somente a destruição.
O presente e o passado conflitam-se em seu coração. As
pessoas parecem não ajudar. Seu amor parece não ajudar.
Hoje é a 5ª noite que não dorme, nem sonha. Simplesmente repousa
sobre a cama e passa a olhar o teto em seu quarto frio, como quem olha a deus e
pede às respostas que tanto procura. Levanta-se. Vê que está só, naquele
quarto, naquele cômodo e ri. Ri de sua solidão.
Perambula entre os cômodos a procura do sono que não chega,
caminha até o jardim e apoia-se sobre uma velha Pitangueira na esperança que
ela possa lhe dar um pouco de energia sugada pelos pensamentos obscuros de sua
mente doente. Em vão.
Volta a se deitar e olhar para o teto, baixa o olhar, nota a imagem
de São Miguel dourada sobre a cômoda e a face deste arcanjo que parece ignorá-lo,
já o demônio parece sorrir diante de sua angustia. Fecha os olhos e reza.
“São Miguel Arcanjo, protegei-me nos
combates, defendei-nos com o vosso escudo contra os embustes e ciladas do demônio.
Deus o submeta, instantemente vos pedimos; e vós, ó Príncipe da Milícia
Celeste, pelo divino poder, precipitai no inferno a Satanás e aos outros
espíritos malignos que andam pelo mundo procurando perder as almas. Amém.”
*
As 03h00minh da manha ao final da
oração, um brado seguido de uma ventania sacudiu as telhas do cômodo, um cheiro
de charuto impregnou o ambiente. A porta abriu e ouviu-se uma voz rouca cantou.
Oh Ganga
Rei da Quimbanda
Tranca Rua é feiticeiro
Pra vencer qualquer demanda.
Seu Tranca Rua o seu bode deu um berro
Arrebentou cerca de arame
Estourou portão de ferro.
Eh, boa noite
A hora é essa
Seu Tranca Rua já chegou
Agora é festa.
Viu que do lado de fora, sentado numa
cadeira deixada por lá havia um homem sentado, na escuridão ele viu apenas seu
corpo forte coberto com uma capa em tons preto e branco, com uma calça preta e
pés descalços no chão. Em sua mão havia um tridente, que lentamente batia no
chão e encostara a grade para acender um charuto.
O garoto não conseguia falar, era um
misto de pânico com medo que o deixou imóvel.
- Medo meu filho? Não há de ter medo de
mim. Não vim fazer mal.
O garoto continua em silêncio.
-Olhe, tem muita gente torcendo contra
o que você faz e você parece ter medo. Esse medo é que te deixa assim.
Vim veloz pra te dizer isso, uma
mensagem dos teus guias, não te afasta do caminho da luz. Agora durma.
-Uma risada medonha encerrou a conversa.
-Uma risada medonha encerrou a conversa.
*
Acordou no dia seguinte com um pulo que
disparara seu coração, assustado passou a mão na cabeça e riu, pensava com ele
mesmo, mas que sonho estranho esse meu. Assim como de costume levantou-se e aos
poucos foi se familiarizando, a tv estava ligada a porta aberta e viu a cadeira
posicionada como no sonho. Não podia ser real.
Aproximou-se, sentou-se na cadeira pensando
naquele absurdo, baixou a cabeça olhando para o chão e foi então que viu cinzas
de charuto espalhadas. Um intenso arrepio lhe tomou o corpo e saiu de sua boca
uma risada medonha, uma gaitada involuntária.
RIÁ, RIÁ, RIÁ!
Gabriel Pontes
Um comentário:
Foda!
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